Fred não é pontual, prefere ser precavido. Chega com antecedência de 24 minutos. Veste-se de forma discreta: sapatos, calça e camiseta polo pretas. A bíblia, carregada pela mão esquerda, chama atenção só para quem é de fora. Afinal, foge à regra da imagem do centroavante do Fluminense e da Seleção que rodou o país através de um vídeo na internet, onde aparece beijando uma desconhecida no meio de uma avenida em Belo Horizonte, no ano passado. A presença na Igreja, no entanto, diz muito sobre a nova fase do jogador, embora não seja capaz de fazê-lo notado ao entrar na sede da Comunidade Evangélica Internacional da Zona Sul (Ceizs), no bairro do Flamengo, no Rio de Janeiro.
Ele caminha sem ser abordado com pedidos de fotos ou autógrafos. Gritos femininos? Choros desesperados por atenção? Apelo de pais por um agrado aos filhos? Nada. O que é comum em treinos e jogos, seja do Tricolor ou do Brasil, inexistem na igreja. Por cerca de 100 metros até sentar na sexta fileira de cadeiras acolchoadas, mantém o olhar ao altar. Lá acontece o culto que passou a frequentar rotineiramente em janeiro. A cargo do pastor Marco A. Peixoto, o tema abordado na ocasião foi "o Rio de Janeiros sob trevas". Especificamente: os efeitos, no entender dele, negativos do Carnaval.
Passar praticamente despercebido não impede que um homem se aproxime de Fred. Não é fã. Sim, um irmão de culto. Os dois conversam. O atleta desliga o celular. E rumam à primeira fila. Ficam perto do altar que, antes da pregação, é tomado por uma banda de música gospel. O camisa 9 canta. Sabe as letras de cor. Se mexe como quem quisesse dar uns passinhos – algo feito por todos os cerca de 5 mil presentes. Ele está pronto para o que está por vir.
O GloboEsporte.com acompanhou a reunião da Ceizs na última segunda-feira. E, a seguir, relata como é Fred dentro da igreja. A partir das 19h30m, ele se revelou ainda um evangélico fervoroso. Irmão que canta, presta atenção à pregação, reza e praticamente fecha a igreja, já que só foi embora após conversar com dois pastores em particular por quase 50 minutos, quando o local já estava vazio.
FRED OU, SIMPLESMENTE, IRMÃO
Entrar na sede da Ceizs dá a impressão de se estar em uma enorme sala de cinema - antes de virar igreja, o prédio de número 72 na Praia do Flamengo era um local de exibição de filmes. O ambiente é amplo. Tem banheiros, masculino e feminino (este geralmente com filas), bebedores, ar-condicionado central, circuito interno de TV. Tudo controlado por funcionários e seguranças. Há, ao lado, um estacionamento, onde Fred deixou a sua caminhonete BMW após treinar nas Laranjeiras.
O "aparato de show" causa inveja. São duas câmeras, uma posicionada naquela grua que a torcida se acostumou a ver atrás dos gols nas transmissões de jogos, e um ensurdecedor sistema de som: bateria, guitarra e demais equipamentos musicais. Sem falar na iluminação e de um telão dignos de casas de espetáculo.
- Ele andou meio sumido nos últimos tempos, mas desde janeiro passou a frequentar de novo. Sempre vem sozinho. Senta na primeira fila. É um irmão exemplar: vem com bíblia em mãos, canta e faz as orações - diz uma frequentadora do local.
Se as pessoas não o abordam, ao menos falam dele. Antes de o culto começar, foi possível perceber que Fred era assunto. Um grupo de jovens, ao falar de uma pelada disputada entre eles, logo lembrou do centroavante.
- Será que ele vem hoje (segunda-feira)?
- Claro, é nosso amigo. Vai aparecer, pode apostar. Ele se converteu e deixou Jesus entrar na sua vida - apostou um deles.
Os fiéis não sabem o motivo de Fred ter entrado para a igreja. Não especulam se foram as lesões: sofreu uma na coxa direita em 2013, que o afastou por quase cinco meses dos gramados, e este ano teve outra no mesmo local, que o impediu de disputar o clássico contra o Flamengo no Campeonato Carioca. Ou se é a falta de gols: tem dois apenas na atual temporada. Aliás, dizem que não existe motivo para "ter Jesus". E não o veem como jogador.
- Aqui, ele é mais um. E nós, juntos, formamos uma família. Não nos interessa o jogador Fred, mas o irmão Fred - filosofa outro presente ao evento.
Há quem o defenda também. Recentemente, perguntado sobre Fred frequentar a igreja, o treinador Renato Gaúcho duvidou da informação. Disse não acreditar que o camisa 9 é um atleta de Cristo.
- Foi um deboche. Renato fala sem saber, sem conhecer. Deveria vir aqui e ver como funciona... - defendeu um dos participantes.
Fred já o fez: conheceu e gostou. Só não quis comentar o hábito com a reportagem.
- Ele é reservado, não gosta de exposição demasiada. Assuntos pessoais como família, filha... Nem levo a ele. Ele gosta de se preservar. Ele frequenta a igreja desde cedo. Só veio à tona agora - disse Francis Melo, assessor de imprensa pessoal de Fred desde os tempos de América-MG, no início da carreira.
O CULTO: CONTRA CARNAVAL, A FAVOR DA BÊNÇÃO
Às 19h30m, o telão deixar de exibir a mensagem "2014, um ano de bênçãos impossíveis" e mostra um ministro da igreja tomando o centro do altar. É o sinal de que vai começar. A primeira frase dele:
- Irmãos, todos jejuaram?
Os evangélicos encaram o jejum no sentido bíblico literal, uma forma de "matar a carne". Pelo entendimento, ao fazê-lo, se fortalece o espírito, vencendo motivações egoístas e, desta forma, aproximando-se mais de Deus. O jejum pode ser a abstinência não só de alimentos e líquidos, mas de qualquer objeto ou hábito que tenha se tornado "indispensável" – o que deve ser o caso de Fred, já que um atleta não pode deixar de se alimentar.
O modo de se jejuar no meio evangélico é acompanhado de oração e leitura da bíblia. A crença é de que isto aumenta a resistências às tentações carnais. Foi o que pregou o pastor no sermão. Antes, porém, houve espaço à música. Gospel, claro.
O hit religioso "Basta uma palavra do meu Deus" abriu o louvor. Todos ficaram de pé. Cantaram, bateram palmas, ensaiaram pulinhos e passinhos. Fred, idem. E fez um gesto característico na comemoração dos seus gols: levantou as mãos e, com os indicadores erguidos, apontava em direção ao céu. Em todo instante em que a letra mencionava Deus.
Pois a pregação começou. O pastor leu trechos da bíblia. Citou a passagem em que Paulo e Silas foram presos por levar a palavra de Deus. Fez referência ao carnaval, época em que, segundo ele, se abusa do álcool.
- As pessoas fazem coisas que antes não faziam. Bebem exageradamente. Até se beijam em meio ao lixo! O Rio de Janeiro viveu sob trevas. Só a palavra de Deus, irmãos, pode nos salvar. Aleluia!
À medida que falava, os irmãos gritavam "Jesus", "aleluia", "amém". Fred, idem. O ponto alto foi quando o pastor pediu que cada um abraçasse o irmão do lado e rezasse por ele. O barulho foi superior às músicas. As pessoas gritavam, choravam. Durou mais de dez minutos.
E o dízimo? Quase sem anunciar, o pastor pede a contribuição. Funcionários da igreja passam pelas filas com sacolas pretas. Recolhem as doações. Há de tudo: notas de R$ 2 e de R$ 100. A verdade é que as bolsas voltam cheias.
Perto do fim, o pastor disse ao público que a "palavra vai mudar a sua história". No caso de Fred, quem sabe, com mais um ano de sucesso no Fluminense e na Seleção. Afinal, a Copa do Mundo está aí.
A CONVERSA, A FÉ E A IGREJA
Enquanto os fiéis iam embora, Fred subiu ao altar. Eram 21h. Conversou com o pastor de pé. Depois, com outro homem, sentou para falar. Ficou 48 minutos até ir embora. No trajeto em direção à rua, foi reconhecido por uma criança. Ela acenou. Ele acenou de volta. E riu.
Enquanto aguardava pelo seu carro no estacionamento ao lado da igreja, os vendedores ambulantes aproveitavam para lucrar. Havia pipoca, milho e van de lanches.
- Eles saem com fome. Dá para fazer um dinheirinho - disse um deles.
Apesar de não gostar de falar sobre o assunto, Fred não faz questão de esconder seu lado religioso. Recentemente, até apareceu no treino do Flu nas Laranjeiras com uma camisa da igreja, que continha a mensagem: "Alegria verdadeira só com Jesus".
A reportagem tentou sem sucesso conversar com o pastor Marco A. Peixoto. Ele comanda uma igreja cuja missão segue os seguintes princípios: influenciar, prosseguir, crer e sonhar. Está presente ainda na Barra da Tijuca, Campo Grande, Volta Redonda e Nova Iguaçu, no Rio. Nos últimos dois anos, o ministério chegou às cidades de São Paulo, Foz do Iguaçu e Curitiba. Fora do Brasil, há representação na Europa e Estados Unidos.
Seus livros falam de edificação e guerra espiritual, entre eles: "Vencendo as Guerras Invisíveis", "Rompendo em Fé", "Marca de Cristo", "Restituição", "Fé que Opera Milagres", "Quebrando a Mentalidade de Gafanhoto" e "Caminho de Milagres". Um dos destaques do ministério do pastor é o "evangelismo criativo": bloco evangélico nas ruas do Rio durante o Carnaval, tendas de oração na praia de Copacabana em meio ao Réveillon e os shows na Apoteose.
Fonte: globoesporte.com